top of page

OS TRENS TURÍSTICOS E AS POLÍTICAS DE TURISMO FEDERAL E PAULISTA

Fábio Barbosa*


Após levantamentos de planos e programas federais e estaduais, no que diz respeito ao transporte ferroviário turístico, pode-se afirmar que não há de forma clara uma previsão concreta para estudos ou implantação de ações que contribuam com uma política de desenvolvimento turístico nas linhas férreas do estado de São Paulo ou do Brasil.


O que se observa são ações pontuais de algumas cidades do Brasil e estados como Goiás, que têm a intenção de implantar trens turísticos, mas sem uma sustentação do órgão de turismo federal, ainda que esteja previsto no MTUR recursos para infraestrutura ferroviária, segundo as diretrizes do PRT (MTUR, 2013).


O MTUR produziu uma “Cartilha de orientação para proposição de projetos de trens turísticos e culturais” (MTUR, 2010a), instituída pela Portaria 18, de 1o de março de 2010 (MTUR, 2010b), com a participação de diversos órgãos do governo que deveriam reunir-se com certa regularidade para discutir e aprovar projetos turísticos ferroviários viáveis.


Na Cartilha, alguns apontamentos podem ser melhorados e desburocratizados, bem como algumas considerações sobre o turismo ferroviário como segmento a ser incluído na Lei Geral do Turismo (BRASIL, 2008), quando se trata de transportadora turística. A Cartilha é burocrática e sua construção não teve a participação da iniciativa privada (entidades e empresas).


Em 2018, por iniciativa das entidades e empresas que operam trens e bondes turísticos no estado de São Paulo, foi criado um grupo de trabalho para fazer uma proposta de programa de turismo ferroviário, por meio de resolução conjunta da SETUR-SP, Secretaria de Transportes Metropolitanos e Secretaria de Cultura (SÃO PAULO, 2018).


Com a participação de vários operadores ferroviários públicos e privados, o grupo deu várias contribuições para o desenvolvimento da proposta. Um dos pontos relevantes foi um mapeamento das ações que já estão acontecendo por ação independente de gestores públicos e privados. Identificaram-se, no mapa da regionalização do turismo do estado, as linhas turísticas existentes, projetos e prospecções, pontuando os trens e bondes em operação e projetos em andamento. Foi possível finalizar o trabalho em dezembro do mesmo ano e entregá-lo no primeiro semestre de 2019 à atual gestão da SETUR-SP. Até o fechamento deste estudo, o programa estava em avaliação.


Para entender o turismo ferroviário, fez-se necessário, também, buscar as disposições legais que regulam esse transporte junto ao Ministério competente, atualmente o da Infraestrutura. Na falta de normas específicas para o turismo ferroviário, complementou-se a pesquisa com a legislação editada pelo MTUR e seus antecessores, referente aos transportes terrestres, por serem normas genéricas para deslocamentos mecanizados de superfície.


A legislação em vigor trata dos transportes de cargas e passageiros (BRASIL, 1996, art. 34). No que diz respeito aos passageiros, aborda o transporte urbano, metropolitano e de longo percurso, não havendo referência ao transporte ferroviário turístico. No entanto, apesar de algumas linhas turísticas terem sua própria linha para circulação, outras empresas operam em conjunto com concessionárias ferroviárias.


A lei, porém, deixa claro que toda vez que um trem de passageiros está circulando e porventura cruza com um trem de cargas, a prioridade de passagem é, sempre, do trem de passageiros. Desse modo, o trem de carga deve parar, por uma questão de segurança. Portanto, seja um trem urbano, metropolitano, turístico ou de longo percurso, a prioridade será sempre do trem de passageiros.


Trens de longo percurso são definidos pelo mesmo decreto, que deixa clara a duração mínima da jornada em quatro horas de viagem e determina que o trem de longo percurso deva ter horários regulares. Após a privatização das malhas ferroviárias brasileiras, pertencentes à Rede Ferroviária Federal, o transporte de longo percurso para passageiros foi extinto, permanecendo apenas o transporte de cargas. No entanto, a Secretaria de Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes (2000), autorizou a reativação e operação de pequenos trechos de interesse local, mas apenas para finalidades culturais.


No Brasil, quase todas as atividades relacionadas ao turismo estão atreladas ao órgão oficial do país, o MTUR, como agências de turismo, empresas de eventos e transportadoras (BRASIL, 1982). Por tratar-se de um serviço e equipamento turístico de transporte, seria natural que as empresas e entidades que operam trens turísticos tivessem alguma ligação com o MTUR. Mas não é o que acontece.


Esse segmento de transporte turístico não é citado nas leis, decretos, deliberações e resoluções do órgão oficial. Apenas consta referências no artigo 28 da Lei Geral do Turismo, que trata das transportadoras turísticas e transporte de superfície:


Art. 28: Consideram-se transportadoras turísticas as empresas que tenham por objeto social a prestação de serviços de transporte turístico de superfície, caracterizado pelo deslocamento de pessoas em veículos e embarcações por vias terrestres e aquáticas [...] (BRASIL,2008) e também no artigo 41 do decreto 7.381/2010, da regulamentação da Lei Geral do Turismo:


Art. 41: Os roteiros de cruzeiros marítimos ou fluviais, ferroviários e rodoviários, bem como suas intermodalidades efetuadas pelos prestadores de serviços turísticos que comercializem pacotes de viagem, deverão ser apresentados ao Ministério do Turismo, respeitadas as competências dos órgãos reguladores e demais órgãos da administração pública federal (BRASIL, 2010, grifo do autor).


Sem considerar o transporte de superfície como um todo, o transporte terrestre pode ser o rodoviário e o ferroviário. No entanto, a legislação em vigor continua sem referência específica ao transporte ferroviário turístico no Brasil. Os artigos abaixo da Lei Geral do Turismo deixam claro que o transporte turístico de superfície deve ser explorado por empresas registradas no MTUR:


Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo: […] III - transportadoras turísticas;


Art. 22. Os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação. […] § 3o Somente poderão prestar serviços de turismo a terceiros, ou intermediá-los, os prestadores de serviços turísticos referidos neste artigo quando devidamente cadastrados no Ministério do Turismo. […] § 5o O disposto neste artigo não se aplica aos serviços de transporte aéreo (BRASIL, 2010).


No Brasil, não existem empresas registradas para operar linhas ferroviárias, com exceção da Serra Verde Express e da Giordani Turismo, na região Sul, por serem agências de turismo. Os demais operadores que atuam nessa área não têm vínculo algum com o órgão oficial de turismo.


Portanto, é necessário criar políticas públicas que tratem o transporte turístico ferroviário como um segmento importante no desenvolvimento regional do turismo. Observa-se que a atual legislação não é correspondente ao trabalho que já está sendo desenvolvido por diversos entes privados e públicos. Sendo assim, uma legislação forte e programas dos governos federal e estaduais poderão ser de grande estímulo para o desenvolvimento do setor.


*Fábio Barbosa é doutorando do PPGTUR-USP, sob orientação do Professor Dr. Edegar Luis Tomazzoni. É Mestre em Planejamento Ambiental e Cultural pelo Centro Universitário Ibero-Americano (UNIBERO), São Paulo-SP. Graduado em Turismo pela Universidade Paulista (UNIP), São Paulo-SP. Consultor em turismo da THG Consultoria, Turismo e Gastronomia Ltda., Mogi das Cruzes-SP. E-mail: fabiofumaca@usp.br.


Este texto foi publicado no e-book, produzido pela disciplina de Gestão Regional do Turismo, do Programa de Pós-Graduação em Turismo da EACH-USP. O e-book está disponível no link: http://each.usp.br/turismo/livros/gestao_regional_e_politicas_publicas_de_turismo.pdf


0 comentário

Comments


bottom of page